Nós I
Fico - deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.
E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
- "Que é feito dela?" - indagarão - coitados!
E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"
Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva
da estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;
irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!
Fico - deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.
E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
- "Que é feito dela?" - indagarão - coitados!
E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"
Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva
da estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;
irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!
Nós II
Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, e eu sei que esse canto te consola.
E, lá na rua, o povo tumultuário
ouvindo o canto que daqui se evola
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.
Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.
E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tão docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.
Nós III
Mas não passou sem nuvem de tristeza
esse amor que era toda a tua vida,
em que eu tinha a existência resumida
e a viva chama de minha alma, acesa.
Nem lemos sem vislumbre de incerteza
a página do amor, lida e relida,
mas pouquíssimas vezes entendida,
sempre cheia de engano e de surpresa,
Não. Quantas vezes ocultei a minha
dor num sorriso! Quanta vez sentiste
parar, medroso, o coração de gelo!
- É que nossa alma às vezes adivinha
que perder um amor não é tão triste
como pensar que havemos de perdê-lo.
Nós IV
Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,
e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!"
E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...
E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.
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