sábado, 18 de abril de 2009

Entrevista de Maria Thereza Cavalheiro e Texto de H. Masuda Goga

1) Parte de uma entrevista concedida por Guilherme de Almeida para a poetisa, contista, advogada e jornalista, Maria Thereza Cavalheiro-São Paulo.
(Retirada do blog "Retalhos do Modernismo" de Luiz de Almeida).


Há de se registrar um fato importante. Guilherme de Almeida foi um dos primeiros poetas brasileiros a escrever haicais. E os publicou em Poesia Vária, lançado em 1947. Eu tinha então dezoito anos e fiquei encantada com os [Aqui a tira apresenta um furo. Por dedução creio que a autora escreveu: “(...) encantada com os poemas ou poemetos”, como são tratados]. (...) de aniversário [deduzo que esteja escrito: “No dia ou Na Festa”] de sua sobrinha Anna Maria (10-9-47), disse ao Poeta do meu entusiasmo pelos seus haicais. E ele contou, muito indignado, que muitas pessoas, incluindo críticos, esteavam dizendo que ele havia feito “charadas”.
Podemos entender, assim, perfeitamente, porque Guilherme de Almeida deu título aos seus haicais e criou um tipo de rima específica para essa composição poética. Os “haicais guilherminos” passaram a ser elaborados por bons haicaistas, entre os quais se destacam Cyro Armando Catta Preta, de Orlândia-SP, e o saudoso José Fernandes Soares.
Sabe-se que o haicai japonês é composto de três versos de cinco, sete e cinco sílabas respectivamente, sem rimas e sem título, com temas ligados à natureza. Ao transpô-lo para a nossa língua, Guilherme de Almeida rimou o primeiro com o terceiro verso, e criou uma rima interna no segundo verso, com tônica na segunda e na sétima sílabas poéticas. Dessa forma, como bem disse Sérgio Milliet na apresentação de Poesia Vária (3ª. Ed. Cultrix), Guilherme de Almeida “nacionalizou o haicai” e “estabeleceu uma forma nova”.
E não só isso. Temos para nós que Guilherme de Almeida assim procedeu para tornar o haicai mais acessível ao gosto do nosso povo, mais fácil de ser aceito. Em nada procederiam a comentários de que Guilherme de Almeida não conheceria as regras do haicai. Na mesma ent.... [aqui falta um pedaço na tira e não teve como continuar, creio ser “entrevista”] – “havia um grupo de poetas japoneses, antigamente, que se reunia à rua da liberdade. Assisti a muitos de seus encontros. Faziam-se Jogos Florais: era dado um tema (lembro-me de que um deles foi ‘brisa da primavera’) e uns dois ou três poetas apresentavam os seus haicais. [outro rasgo e não consigo decifrar o que ela escreveu]. (...)
Não é poesia de amor: é de estação. O haicai é como um verbete de dicionário. E deve ser, antes de tudo, espontâneo: o haicai é obtido como quem pega um inseto em vôo. Se escapar, escapou, e não se consegue mais fazê-lo. Porque deixa de ser sincero. O haicai se impõe. É ele que vem a nós. Pois bem: uma vez, com surpresa minha, notei que o tema dado era sobre o jacarandá. Surgiu então uma querela: discutia-se a época de sua florescência, indispensável à composição do haicai, que é, como se disse, antes de tudo, uma poesia de estação. Com maior espanto meu, um dos japoneses tirou do bolso um dicionário botânico brasileiro em japonês, para esclarecer a dúvida. Pois a poesia japonesa é uma poesia botânica, e os conhecimentos botânicos são indispensáveis ao poeta... Passei também a fazer haicais, que foram traduzidos por um intérprete, após passar uma prova, que todos julgaram. A poesia, no Japão, é obrigatória. Não importa a profissão do indivíduo. “Recordo-me que um dos componentes do grupo era agricultor, outro marceneiro, outro fazia serviços domésticos”. [a tira termina aqui].

2) Texto de H. Masuda Goga.
(Concedida pelo prof. André Luiz Ferreira Santana).

Guilherme de Almeida e eu


Em 1952, Guilherme de Almeida assumiu o cargo de presidente da Comissão Executiva do IV Centenário de São Paulo, cujo escritório foi estabelecido no edifício dos Diários Associados, sito à rua Sete de Abril, no centro da cidade.

Como repórter do Jornal Paulista - diário bilíngüe em japonês e português, publicado em São Paulo - queria indagar se a referida comissão aceitaria a doação comemorativa a ser oferecida pela colônia japonesa aos cidadãos da capital bandeirante. Por esse e por outros motivos, avistei-me repetidas vezes com o responsável pela comissão, durante todo o período de preparação das festividades.

Na primeira entrevista, o poeta perguntou-me se apreciara a coletânea Poesia Vária, publicada em 1947. A minha resposta foi positiva. Ele ficou contentíssimo e começou a falar sobre o haicai.

Além da obra acima citada, um trabalho intitulado Os meus haicais já havia sido publicado em O Estado de S.Paulo do dia 28 de fevereiro de 1937. Perguntou-me o que eu achava dos seus haicais. Eu, com bastante coragem, apresentei-lhe algumas opiniões. Gostando de minha atitude sincera e honesta, ele, por sua vez, expôs seus pontos de vista relativos ao haicai, que adorava imensamente.

Sua admiração pela forma concisa de apenas 17 sílabas, ou melhor, 17 sons, era máxima. Após agradável conversação, leu um trecho de Os meus haicais, com gesto algo didático:

- Uns 30 livros de versos escritos e uns 20 publicados levam-me à conclusão calma (que não é uma negação à minha nem um sarcasmo à obra dos outros) de que não há idéia poética, por mais complexa, que despida de roupagens atrapalhantes, lavada de toda excrescência, expurgada de qualquer impureza, não caiba estrita e suficientemente , em última análise, nas 17 sílabas de um haicai.

A seguir, explicou-me um aspecto lingüisticamente semelhante que se observa nas duas línguas (português e japonês), citando como exemplos:

"Leva-me esta carta
Ao meu namorado"

"Nem tudo o que é luz é ouro"

"Tanto dá até que fura"

Guilherme queria mostrar-me que as frases faladas ou escritas em português de cinco ou sete sílabas não faltam no diálogo cotidiano ou na poesia popular, tal qual acontece no idioma nipônico. Por minha parte, fiz explanação sobre os conceitos mais importantes do haiku original, historicamente chamado “hokku”, que exige o termo de estação do ano e dei-lhe o meu parecer sobre o título que se coloca para cada haicai. Entretanto, não toquei no assunto da rima, porque o haicai em língua luso-brasileira soa suave e agradável quando rimado. Apenas informei-lhe que o haiku original ignora a rima propriamente dita. Ele aceitou parcialmente o meu critério; sustentou, porém, o seu próprio ângulo e disse-me que estaria contrariando, até certo ponto, a autoridade de Kyoshi Takahama, grande mestre do haiku e defensor do tradicionalismo. Acho que a atitude de Guilherme resida, talvez, na adaptação do haiku mais livre, a qual evitaria mera imitação do original.

Guilherme mantinha relações de amizade com Kozo Itige (1894-1945), cujo nome haicaístico era Gyosetsu e que era cônsul-geral do Japão em São Paulo, no fim da década de 30. Convidado pelo cônsul-haicaísta, teve oportunidade de assistir a reuniões de haiku, realizadas pelo pessoal ligado ao mestre Keiseki Kimura (1867-1938), que liderava um grupo de “haijin” paulistano.

Quando teve lugar o simpósio sobre cultura japonesa, em comemoração ao 60º aniversário da imigração japonesa para o Brasil, em 18 de junho de 1968, Guilherme foi convidado como um dos palestrantes pelo centro de Estudos Nipo-Brasileiros de São Paulo, organizador do evento, e do qual sou associado. Esperei, até o último momento, a sua presença; mas, por algum motivo, ele não compareceu.

Relembrando-me, agora, daquela troca de idéias sobre o haicai, devo reconhecer o esforço dinâmico do saudoso Príncipe dos Poetas Brasileiros: sem dúvida, ele estimulou o abrasileiramento da mais concisa poesia de origem japonesa.

Um comentário:

Elias de Souza Jr. disse...

Olá, estou decorando um restaurante com ícones da paulistanidade. Gostaria de Valorizar a produção de Guilherme de Almeida reproduzindo em pintura o hino do Estado de S. Paulo. Gostaria da ajuda para encontrar a partitura! obrigado
Elias Jr.
elisjr@uol.com.br